

Juçara Gonçalves de Almeida Souza
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Juçara Gonçalves de Almeida Souza
Member10 de março de 2021 at 21:29 in reply to: Textos Coletivos sobre Tradição OralPara mim tradição oral tem a ver com tradições, sensações experimentadas ao longo da construção individual de cada ser, através das vivências, dos sentimentos experimentados, das partilhas de praticas coletivas entre pares ao longo de cada construção do seu “eu”. Está atrelada a cultura de cada geração, de transmitir aos que chegam as suas memórias afetivas, as suas práticas locais. Também tem muita subjetividade envolvida conectadas com emoções cm os elementos da natureza e os seus significados arquétipicos.
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Olá! Me chamo Juçara, com Ç mesmo rsrsrsrs, meio incomum, mas… A maioria de meus amigos preferem me chamar de Sara, outros de neguinha, outros de Juju. Nasci em Jequié, interior da Bahia comumente chamada de “terra do sol” porque a cidade é por demais quente durante o dia, a noite um frio de lascar kkkkkkk. Meu pai trabalhava aqui em Salvador e quando eu tinha nove anos de idade meu pai trouxe toda a família para morar com ele.
Sou graduada em psicologia e com pós graduação em arteterapia junguiana, atualmente não atuo na área diretamente. Tenho formação técnica em enfermagem e trabalho dentro de um centro cirúrgico em um hospital público.
Nunca pensei em que cheiro tem meu nome, que cor tem minha voz, som do meu abraço, que gosto tem minha história… nada disto. Mas acredito que meu nome tem cheiro de angélica, aquela flor do interior. Minha voz tem cor amarela, mais pro dourado. Meu abraço tem som do vento -amo abraçar quem vejo pela frente. E minha historia tem gosto de café pilado no pilão de minha vó.
Tem muitas imagens bonitas que alimento e mantenho em meu olhar, a mais forte e principal é a de minha mãe sorrindo sempre quando me via. E a que gostaria de esquecer, mas não me sai da cabeça é o de muita tristeza dela já entendendo e confirmando que não estaria mais ao meu lado por muito – dói muito falar disto, lembro de minha mãe TODOS OS DIAS, ela é meu alimento.
Não sei muito bem a história de meu. Sei que foi meu pai quem escolheu. Ele falava que era um nome indígena e que ele gostava. Eu particularmente não me entendo com outro nome rsrsrsrsrs. Mas já soube que é nome de árvore, fruta, cabocla…
Não conheço muito a historia dos meus antepassados. Posso dizer que meu pai e sua família morava em Candeias. Por ser muito maltratado pelo seu pai ele fugiu de casa, ainda adolescente, foi para Santo Amaro da Purificação, depois para Jéquie onde conheceu minha mãe, teve com ela cinco filhos. Com a dificuldade de manter a família no interior ele veio sozinho tentar a vida em Salvador e ia nos visitar e levar dinheiro para minha mãe sempre que podia. Nem sempre era possível e para não passarmos fome a minha tia sempre ajudava minha mãe na alimentação e cuidados com a gente (sou grata a ela ate hoje e sempre deixo claro isto).
Minha mãe não quis sustentar esta situação por muito (mulher “retada” do interior não iria se conformar em deixar seu homem sozinho na cidade grande rsrsrsrs). Decidiu que iria vir para Salvador de mala e cuia e com seus 4 filhos – uma irmã morreu ainda nova, mal do umbigo segundo os mais velhos – Nesta época eu estava com mais ou menos nove anos de idade. Ele sempre falou com orgulho que eu so dormia no colo dele e que esperava o tempo que fosse preciso para ele chegar do trabalho so para deitar no colo dele. Posso dizer que até antes dele adoecer e morrer sempre que eu ia na casa de minha mãe eu deitava no colo dele e no dela. Amava chegar do plantão e passar em casa so para deitar no colo dela, e se tivesse os dois em casa colocava a cabeça no colo de minha mãe e ele puxava os meus pés para o colo dele. Fazia carinho e eu morria de cocegas, mas disfarçava so para alegrar eles.
Bem da história antiga é so o que sei de meu pai. Não conheci meus avós, tios, primos… paternos. Não tive o prazer de conhecer ninguém. Tentamos algumas vezes convencer ele a procurarmos a família, mas ela dizia que não, que ele estava bem, que a família dele estava perto dele. E contava pra gente todo o seu sofrimento que passou pra sobreviver, as diversas surras que tomava dormindo, amarrado na cama… Aí a gente desistia pra não machuca-lo mais ainda.
Sou eternamente grata por tanta resiliência, fortaleza, serenidade e amor que transmitia a minha família, mesmo com uma história de vida tão dura. Não cansava de agradeçer a ele por nunca ter me batido e por me amar. Amava dizer: meu veinho gostoso eu te amo viu. Ainda digo, em voz alta que o amo, que tenho saudades das nossas prosas, do seu colo, do seu carinho. Perto dele eu não era crescida ainda, continuava como minha filha caçula como gostava de lembrar, mesmo tendo um irmão mais novo que eu. Este nasceu aqui em Salvador anos depois que a gente veio embora.
Meu pai nos deixou a quase dois anos atrás. Após sofrer um AVC, foi cuidado por nos, durante um mês. Acreditamos que ele não aguentou a dor de perder sua companheira de quase 70 anos de casados um anos antes dele. Morreu em casa, na cama, poucas horas depois que me despedi para ir dar plantão (com certeza ele me queria longe neste momento) e de ter dito a ele que eu o amava e que tudo iria ficar bem por aqui. A gente ainda vais se ver.
<font face=”inherit”>Com meus parentes materno foi diferente, nasci e cresci no meio de meus tios, tias, primos,. Conheci minha vó Cândida, a coisa mais linda e amorosa do mundo. Lembro que nos protegia e não deixava minha mãe bater em nenhum dos netos, dava dinheiro escondido pra gente comprar bala na quitanda. Me chamava de neguinha. Ainda no alto dos seus quase 100. Amávamos ver ela pilando café. Nos deixou de forma serena e sem sofrer. Não tenho memória de meu vô ele morreu de infarto, bem antes dela, ela ficou </font>viúva<font face=”inherit”> novinha e optou por terminar de criar os seus seis filhos sozinha. Meu vô se chamava Isaias, mesmo nome que dei ao meu filho.</font>
Minha mãe era uma mulher de personalidade forte, extremamente dependente. Gostava de sair, saia sozinha até seus oitenta anos e quando a gente reclamava por demorar e nos deixar preocupados ela dizia que não tinha deixado filho pequeno em casa e que se passasse mal na rua todo mundo saberia porque notícia ruim chega logo. Foi o maior presente que Deus me deu. Foi a maior cuidadora do meu filho, eu tirava meu leite materno e ela era quem ia levar no hospital, na UTI neo natal (meu filho ficou internado um mês- é outra longa história) enquanto eu tentava me recuperar de noites mal dormidas.<font face=”inherit”>
</font>Bem, minha relação de vida com minha mãe é muito significativa. Foi uma mulher que me ensinou muito e que me fez muito feliz. Lutou muito contra um câncer de mama, mas não resistiu quase 10 anos depois a um câncer de intestino intestino. Acredito que o pior da aceitação da doença era o fato dela amar a vida, amar estar com os filhos e mesmo com 87 anos de vida ter planos com netos, bisnetos… é Uma longa história que preciso escrever quando eu me curar. Por enquanto as feridas estão abertas, mas sou grata a Deus e a ela cada momento vivido, cada bronca, cada cuidado, cada carinho… cada aprendizado.
Apesar de morar em Salvador, e de ter por perto meus irmãos, sobrinhos, marido, filho, é sempre uma alegria viajarmos todos juntos para passarmos o São João no interior. São momentos de muitas lembranças e alegria.